A oposição e a democracia constitucional

Artigo publicado no Jornal Gazeta do Povo, em 06/01/2011

O direito de participar das decisões governamentais, o direito de ser representado e o direito de organizar uma oposição para enfrentar o governo nas eleições e no parlamento são as instituições básicas da democracia. Uma oposição atuante aprimora a transparência e a eficiência do governo, também afirma a Constituição e o Estado de Direito. As oposições costumam lamentar o fato de serem minoria; mas as minorias (partidárias ou de coalizão) têm muitos meios, em democracias, para fazer face aos governos, dentro e fora do parlamento.

A oposição ao governo federal tem, atualmente, 26,5% das cadeiras na Câmara dos Deputados. Há, no entanto, outros seis partidos que não estiveram em nenhuma coligação eleitoral e que somam outros 12,9%. Além disso, a bancada empresarial eleita em 2010, formada por donos de grandes, médias ou pequenas empresas, acionistas ou quotistas de conglomerados econômicos, comerciantes ou produtores rurais, além de parlamentares que se definem como empresários, representa mais de 45% do Congresso Nacional (47,95% da Câmara e 33,33% do Senado). A desvantagem numérica da oposição ao governo do PT, como se vê, não pode ser subestimada por nenhum governo ou maioria, sobretudo em temas econômicos.

O comportamento da oposição nos anos Lula revela, por um lado, que o manejo estratégico do regimento interno pode conferir força muito relevante às minorias, se bem organizadas. Para ter maioria em sua proposta de criação da Contribuição Social para a Saúde, por exemplo, o governo cedeu receita aos estados e municípios e liberou um número recorde de emendas parlamentares. Todo esse esforço, no entanto, esbarrou na firmeza da oposição em obstruir os trabalhos com a apresentação de requerimentos de adiamento de discussão e de votação, de retirada de pauta, de preferência de votação, de discussão e votação por grupo de artigo; ou com o uso do tempo das sessões com comunicações de liderança, discussão dos requerimentos; questões de ordem, recursos contra decisões da presidência e com a solicitação de verificação de todas as votações. Essa postura impediu a votação da nova CPMF e mudou o foco da discussão, do Parlamento para a sociedade.

Por outro lado, o enfrentamento ao governo também pode se judicializar. Fora do parlamento, e por atuação do Poder Judiciário e do Ministério Público, as minorias podem suspender votações que contrariam procedimentos legislativos; podem, mediante representações criminais, obter a responsabilização criminal de outros parlamentares, e podem obter a invalidação de leis ou atos normativos aprovados pelas maiorias ou pelo próprio Poder Executivo. A força dessas medidas externas ficaram bem conhecidas nos casos da suspensão de medida provisória que autorizava abertura de crédito orçamentário extraordinário, no caso da fidelidade partidária, no da instalação de comissão parlamentar de inquérito para investigar a crise do sistema de tráfego aéreo, e no recente caso de condenação criminal de um ex-deputado federal de Rondônia.

Na campanha eleitoral de 2010 vimos que parte considerável dos partidos pequenos não tem possibilidades de crescimento e estão excluídos das disputas pelos cargos de governador e de presidente. Sobreviverão valendo-se de uma política de alianças ocasionais e diversificada estado a estado. Vimos também uma oposição que teme pelo seu futuro e que só recobrou algum ânimo com a confirmação do segundo turno.

A democracia precisa proteger as minorias e contar com uma oposição atuante. Não é demais insistir que existe, no sistema político-jurídico brasileiro, um verdadeiro estatuto constitucional das minorias parlamentares a ser garantido pelo Judiciário e respeitado pelos governos, pelas maiorias e pela sociedade. O dever de a oposição aceitar que o governo eleito tem o direito de definir a agenda política é condição de sua legitimidade. Já o direito de afirmar posições contra o governo e contra decisões da maioria constitui, em essência, uma condição de respeito ao próprio povo.

Carlos Luiz Strapazzon, professor de Ciência Política e Direito Constitucional, é doutorando em Direito na UFSC. Email: strapazzon.carlos.luiz@gmail.com.

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