Ego judicial alemão: credibilidade em baixa da Corte Constitucional alemã
Esta nota é uma tradução livre que ofereço ao público brasileiro.
Trata-se de uma nota editorial publicada no Internacional Journal of Constitucional Law, da New York University, de V. 9, n. 1, de 2011.
A nota é uma ácida crítica às posições da jurisprudência constitucional alemã em relação ao direito europeu.
É uma nota que revela, em boa medida, o estado de ânimo na Europa com a supremacia da Alemanha.
Vale à pena conferir.
A versão original está disponível no site da Revista: Clique aqui
Trata-se de uma nota editorial publicada no Internacional Journal of Constitucional Law, da New York University, de V. 9, n. 1, de 2011.
A nota é uma ácida crítica às posições da jurisprudência constitucional alemã em relação ao direito europeu.
É uma nota que revela, em boa medida, o estado de ânimo na Europa com a supremacia da Alemanha.
Vale à pena conferir.
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No âmago da ordem jurídica da União
Europeia está o sistema de Referências Preliminares [ou Decisões Preliminares].
Tribunais nacionais que julgam uma disputa local envolvendo uma questão de
Direito Europeu, normalmente entre um indivíduo e uma autoridade pública, podem
(e se forem órgãos cujas decisões são irrecorríveis, devem) pedir ao Tribunal
de Justiça da União Europeia para que se pronuncie preliminarmente sobre a interpretação, ou validade, do Direito Europeu
discutido no caso.
É um procedimento engenhoso que não
só tem a ver com as mais importantes
decisões constitucionais na ordem jurídica europeia, como também envolve uma
cooperação frutífera entre (e, indiretamente, entre) tribunais nacionais e Tribunal
de Justiça da União Europeia, com sede em Luxemburgo: é uma garantia de que o
Direito Europeu será interpretado de maneira uniforme em todo o espaço jurídico
europeu e, em virtude de a Decisão
Preliminar ser incorporada à decisão final do tribunal nacional, ela se
aproveitará de melhores condições de cumprimento já que as decisões de
tribunais nacionais são mais respeitadas do que as dos tribunais
internacionais.
Para que o sistema funcione exige-se
uma relação de confiança e cooperação. O Tribunal de Justiça da União Europeia,
em geral, tem o cuidado de se posicionar como um Primus Inter Pares, cumprindo seu papel de modo cooperativo e
não-hierárquico nos processos que envolvem
tribunais "europeus": ao aplicar o Direito Europeu, os
tribunais nacionais tornam-se, queiram ou não, tribunais europeus.
Os Tribunais nacionais, em sua
maioria, adotaram o sistema com entusiasmo. Isso é compreensível. Ao
"jogar o jogo" eles podem, a um só tempo, ser bons europeus e ampliar
o alcance do Estado de direito para cobrir obrigações assumidas perante a União
Europeia e, por último, mas não menos importante, podem desfrutar de um
empoderamento judicial. O procedimento da Referência
Preliminar/Decisão Preliminar dá a cada Corte da Europa o poder de controle
judicial sobre seu direito nacional, até mesmo sobre seu direito constitucional
nacional, e assegura, por outro lado, sua conformidade com o Direito Europeu. Mas
não é fácil, e os juízes (você sabe, aqueles seres humanos com as complexas motivações
que caracterizam a condição humana) não estão imunes. No entanto, tudo tem sido
feito em nome de uma boa causa.
Caso à parte se passa com as Cortes Constitucionais,
em especial aquelas que têm amplos poderes para exercer o controle de
constitucionalidade em face de sua Constituição nacional, como a da Alemanha e da
Itália. Para essas Cortes, a Referência
Preliminar/Decisão Preliminar não representa um empoderamento judicial mas,
de alguma forma, uma aparente perda de poder, ou relativa impotência. Nos
assuntos que envolvem a interpretação do direito da União Europeia essas Cortes
deveriam deferir, e parece que estão deferindo, a orientação da Corte Europeia
de Justiça; assim, cada Corte Constitucional, em sua jurisdição, se torna um
tribunal constitucional em questões europeias. O bom senso tem prevalecido na
maior parte dos casos. Até a egrégia Câmara dos Lordes (agora Supremo Tribunal
do Reino Unido) tem, regularmente, e sem alarde, encaminhado pedidos de Referências Preliminares. E assim tem
sido, uma após a outra, com a maioria das mais altas Cortes de Justiça dos Estados
da Europa.
Um dos recalcitrantes tem
sido o Direito Constitucional alemão. Ele regularmente afirma que "tem Corte" para
julgar o Direito Europeu, que tem democracia, que ensina o mundo sobre direitos
humanos e, assim, afirma-se como guardião de seus direitos. O direito alemão
certamente tem uma excelente opinião sobre si mesmo. Em sua recente decisão
sobre o Tratado de Lisboa, emitiu julgamento simultaneamente em inglês e alemão
- o que, de certa forma foi um tiro pela culatra pois revelou suas antiquadas concepções
sobre democracia e identidade e tornou-as imediatamente acessíveis a uma
crescentemente cética audiência global. Recentemente também decidiu que seus juízes
devem ser referidos no inglês, por "Justices". Impagável! Eu teria
adorado ser um mosca esvoaçante para ver essa decisão sendo proferida. O Talmud
ensina: se você perseguir a honra, ela foge de você. (Nota para o bibliotecário
da Karlsruhe: comprem um Talmud para a biblioteca do BverfGE).
Mas não nos enganemos: o Tribunal Federal
da Alemanha é formidável, trata-se de uma potência jurídica assentada na sólida
ciência jurídica alemã. Alguns de seus juízes, ao longo dos anos, converteram-se
em notáveis juristas. Mas em matéria de direito europeu a sua reputação tem ido
de mal a pior e, atualmente, sua credibilidade na Europa está na casinha do
cachorro. O Tribunal desenvolveu, ao longo dos anos, o hábito de emitir
pomposas ultimata, estabelecendo
condições e linhas vermelhas que, mais tarde, ele mesmo descuidaria sem dar
maiores explicações. O padrão de decisões, de que o caso do Tratado de Lisboa
foi o exemplo mais recente, é aborrecidamente familiar: protelaram, bateram no
peito, mas no final deram a impressão não só de incoerência, mas de falta de
coragem para defender a sério seus próprios princípios declarados. O Tribunal
Constitucional alemão manteve-se na vanguarda do controle de
constitucionalidade dentre os Estados-Membros da União Europeia. Mas é um
Tribunal que alardeou demais para ser levado a sério.
Sua incapacidade de admitir as Referências Preliminares, mesmo em
ocasiões em que os Tratados claramente as exigem, só contribui para agravar o
declínio de sua reputação. Mas reputação à parte, a questão é muito mais séria.
O caso pode até ser racionalizado pelo surrealismo
jurídico, mas na verdade é resultado de um ego institucional deslocado e de
um complexo status de tolice. Não
pode ser qualificado como algo diferente de um desrespeito ao Rule of Law que compromete não só a sua
credibilidade moral e jurídica, mas também a ordem jurídica europeia como um
todo.
Enquanto escrevo este Editorial, o
BVerfGE está se preparando para ouvir o caso Bailout Euro. Este é precisamente o tipo de caso que deve ser
objeto de uma Referência Preliminar da
Corte de Luxemburgo. É um presente para a Corte alemã, uma vez que é uma
questão que realmente deve ser decidida pelo Tribunal Europeu de Luxemburgo, e,
portanto, uma excelente ocasião para o BVerfGE aderir à Europa! Desejamos que
quando você ler essa questão, o histórico movimento já tenha ocorrido.
Joseph
Halevi Horowitz Weiler
Diretor Editorial
International Journal
of Constitutional Law,
Oxford University Press
Site da publicação
original:
http://icon.oxfordjournals.org/content/9/1/1.full
Site de J.H.H.Weiler,
na NYU LAW: http://its.law.nyu.edu/facultyprofiles/profile.cfm?section=pubs&personID=20371
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