NOVAMENTE, DESCARADAMENTE, COMPLETAMENTE E
ALEGREMENTE

Nessas últimas semanas fiz uma cuidadosa varredura no noticiário político. Como muitos, tenho me empenhado a entender um pouco mais da paisagem atual da democracia e dos rumos da política. Não tenho ilusões, entretanto, dos limites desse esforço. Todavia, o que procuro não requer frequência regular a reuniões ou festins. Nem informações privilegiadas sobre os planos e estratégias destes ou daqueles. 

É que não me interesso pelo empurra-empurra de candidatos em busca de ocupar os espaços de poder. Todo sistema de poder tem suas presas e seus predadores. Seus loucos e seus heróis. Os caronas e expectadores. Relações humanas são assim. Mas é aí que paro. Pois o que me interessa é ler a humanização da política. É isso que procuro. Não a brutalização, tão humana quanto a ternura. 

O que tenho em mente é a republicanização. Interessa-me saber em que medida os choques, as trombadas, as revelações fantásticas, as acusações, os pronunciamentos, as decisões, os escândalos de mensalões e de aeroportos familiares, os números do PIB e da erradicação da pobreza extrema, as alianças de Dilma com o partido de Paulo Maluf, e de Aécio com o partido de Collor de Mello....como isso, aparentemente caótico, se conjuga, como isso se amarra. 

Estou convencido de que 25 anos passados esgotaram um ciclo de discursos políticos no Brasil. No entanto, a democracia brasileira ainda vai fluir para novos caminhos. Vai se movimentar. A descrença na eficiência tucana, a rebelião dos indignados sem ideologia de junho de 2013, junto com a implosão da esperança de ética na política, a partir das lideranças de esquerda trabalhista sindical, esses três ingredientes essenciais dos resultados políticos recentes nos colocaram em cheque mate sobre novos rumos. Não quanto ao que foi feito. É necessário admitir que melhoramos muito em 25 anos.

Mas este é um momento de perplexidades. É que diante do fim de um ciclo, é preciso olhar para os próximos 25-30 anos. E aí há mais névoas do que deveria.

Duas coisas recentes chamam minha atenção. A primeira é a demonização e a evangelização da política. A segunda é a mentira num teatro de transparências. 

A força política de lideranças religiosas só faz aumentar. E lideranças do PT e PSDB estão mudas. Seguem o rebanho, olhando para as gramíneas. 

A transparência oferecida pela Justiça Eleitoral, por outro lado, não impediu que políticos mintam profissionalmente sobre coisas simples. O valor de seus bens pessoais. 
Quem visitar a página Divulgacand2014 vai encontrar um link com informações dos candidatos, a lista de bens e o valor dos bens patrimoniais. Clique na sigla do seu estado. Depois no nome do candidato. Veja como mentem. Mentem descaradamente. 

Aécio Neves informa que tem DOIS LOTES NÚMEROS 10 E 10A CONDOMÍNIO OURO VELHO MUNICÍPIO DE NOVA LIMA ADQUIRIDO EM 1991que, juntos, valem R$ 9.715,92.

Dilma declara que tem um imóvel na RUA VISCONDE DO HERVAL, 442, PORTO ALEGRE - RS que vale R$104.047,44, menos que o valor de um imóvel financiável pelo programa "Minha Casa Minha Vida", que gira em torno de R$170 a 190 mil.

Beto Richa, atual governador do Paraná, diz que tem um APARTAMENTO 914 EDIFICIO MASTER TOWER IBIRAPUERA - SAO PAULO que vale R$ 62.214,00. O Senador Requião diz que tem IMOVEL COM BENFEITORIAS na AV. VICENTE MACHADO, uma das mais importantes de Curitiba, que vale R$ 68.334,00. Um dos apartamentos de Gleisi, que não explicita onde fica em Curitiba, vale R$ 245.500,00.

É a mentira, num teatro de transparências. Isso me fez lembrar a poesia de Affonso Romano de Santana.

A Implosão da Mentira
(ou o episódio do Riocentro-fragmentos)

Fragmento 1.

Mentiram-me. Mentiram-me ontem
e hoje mentem novamente. Mentem
de corpo e alma, completamente.
E mentem de maneira tão pungente
que acho que mentem sinceramente.

Mentem, sobretudo, impune/mente.
Não mentem tristes. Alegremente
mentem. Mentem tão nacional/mente
que acham que mentindo história afora
vão enganar a morte eterna/mente.

Mentem. Mentem e calam. Mas suas frases
falam. E desfilam de tal modo nuas
que mesmo um cego pode ver
a verdade em trapos pelas ruas.

Sei que a verdade é difícil
e para alguns é cara e escura.
Mas não se chega à verdade
pela mentira, nem à democracia
pela ditadura.

Fragmento 2.

Evidente/mente a crer
nos que me mentem
uma flor nasceu em Hiroshima
e em Auschwitz havia um circo
permanente.

Mentem. Mentem caricatural-
mente.
Mentem como a careca
mente ao pente,
mentem como a dentadura
mente ao dente,
mentem como a carroça
à besta em frente,
mentem como a doença
ao doente,
mentem clara/mente
como o espelho transparente.
Mentem deslavadamente,
como nenhuma lavadeira mente
ao ver a nódoa sobre o linho.Mentem
com a cara limpa e nas mãos
o sangue quente.Mentem
ardente/mente como um doente
em seus instantes de febre.Mentem
fabulosa/mente como o caçador que quer passar
gato por lebre.E nessa trilha de mentiras
a caça é que caça o caçador
com a armadilha.

E assim cada qual
mente industrial? mente,
mente partidária? mente,
mente incivil? mente,
mente tropical?mente,
mente incontinente?mente,
mente hereditária?mente,
mente, mente, mente.
E de tanto mentir tão brava/mente
constroem um país
de mentira
-diária/mente.          


Affonso Romano de Sant'Anna
http://www.jornaldepoesia.jor.br/aromano.html 




 



Comentários

Oscar disse…
Então professor,

Uma discussão central, que deveria ser, no mínimo, a mais discutida nas propostas de campanha, é o tratamento, a condução do executivo com relação à dívida pública. Ninguém fala, nenhum dos candidatos, nenhum dos grandes veículos de mídia. Parece um grande elefante ocupando a sala e que, pasmem, tentam fingir que é menor do que uma pulga. Por que será? Quem finge não ver ou pretende tampar os olhos da população, mente também, como na poesia do Affonso Santana.
Imagina se as pessoas começassem a discutir e questionar de onde veio, por que e a quem interessa o pagamento de quase metade das riquezas do país à esta famigerada dívida pública. Segue o link para a leitura de um texto excelente e elucidador texto produzido pelo pessoal da Unisinos: http://www.ihuonline.unisinos.br/media/pdf/IHUOnlineEdicao440.pdf

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