O novo ensino do direito, no Brasil e no mundo.

Minhas notas pessoais à palestra de Roberto Mangabeira Unger (Harvard Law School), proferida no seminário: O futuro do ensino superior em direito. ABEDI/FGV –RJ.

A tese de Mangabeira Unger: o Brasil pode e deve andar na vanguarda da reconstrução
A premissa: deseja estabelecer um contraste com a reforma ocorrida nos EUA, quando se admitiu que as ciências da vida poderiam informar uma revolução no ensino do direito. Para Mangabeira Unger, atualmente, não há paradigmas disponíveis para neles buscar inspiração. É preciso libertar o direito, e seu ensino, de todas as formas de colonização. Por isso, a prática proposta por ele é a do pensamento programático. Isso exigiria demarcar um rumo e demarcar os primeiros passos para seguir o rumo. O que importa é a direção, não o grau de proximidade em relação ao existente. Mas é preciso superar o falso dilema que sempre afeta o pensamento programático: acusá-lo de trivial, ou de utópico.
Na primeira parte da argumentação, Mangabeira fixa alguns pontos de partida, assim busca demarcar o rumo. Na segunda parte, tratará do conteúdo do rumo (conteúdos e métodos que comporiam o ensino do direito).

Questão preliminar: um critério elementar: o que se ensina não pode ser substituído, com proveito, por um livro.

Por isso, o ensino deveria pautar-se pelas seguintes aspirações:
Quanto ao método:
Analítico e problemátivo, e não informativo.

Quanto à circunstância social: Cooperativo e não individualista e autoritário

Quanto aos conteúdos: Aprofundamento seletivo, e não superficialidade enciclopédica

Dialético: na relação com o conhecimento estabelecido.

A prática pedagógica deve observar:
Nenhuma disciplina deve ser ensinada de uma só vez e por uma só perspectiva

O que acontece com o ensino do direito no mundo:
A representação doutrinária automática. Ela não é teórica nem prática. É espécie de escolasticismo. No atual modelo doutrinário, o discurso é constitutivo da matéria. O autor do discurso não é um outsider, neutro. Essa prática é um resquício, uma sobra do passado. Logo, há um desequilíbrio metodológico entre essa doutrina e os pressupostos da ciência contemporânea.

O segundo ponto:
Como ensinar e aprender direito? Como compreender o pacto dominante em dada sociedade?. Aqui há um desequilíbrio pragmático, e não epistemológico.
Este foco pragmático é mais importante nos EUA. Lá a população das faculdades está exclusivamente voltada para a prática profissional. Por contraste, no Japão, historicamente, as melhores faculdades visam a formar uma elite do Estado e das Empresas, políticos, diplomatas.
Salienta que dá pra entender as formas dominantes de ensino com práticas educacionais determinadas pelos interesses materiais ou profissionais das pessoas que freqüentam a escola.

O segundo ponto.
Há um repertório muito restrito de opções institucionais para organização da vida social. E é por aí que se enquadra o destino da sociedade contemporânea. Essas restrições atingem os pormenores do cotidiano do direito.

O terceiro ponto. A Natureza do pensamento jurídico predominante na elite (países ricos do atlântico norte).
Quanto a isso, há dois centros que estão, supostamente, na vanguarda: EUA e Alemanha. Mas nesses países há um pensamento caracterizado pela idealização do direito. O direito é, nesses países, um sistema informado por princípios subjacentes. Essa representação idealizada é uma contrapartida ao grande rearanjo institucional ocorrido durante a fase social democrática, sobretudo à atuação positiva do Estado nessas economias. O Estado assumiu posição forte no domínio da distribuição e redistribuição. Unger observa que vê duas maneiras de melhorar as coisas sem reconstruir as instituições: adotar políticas sociais compensatórias e idealizar o direito. Esse caminho, no entanto, tem um preço: mistificação do direito, esvaziamento relativo da democracia e a supressão do espaço da reinvenção institucional (que teria no direito seu espaço privilegiado).

O quarto ponto de partida:
Afeta toda a área das ciências sociais e das humanidades. No pensamento jurídico acredita-se que essa prática idealizadora é a onda do futuro. Já nas ciências sociais prevalece a coexistência de 3 vertentes, aliadas: racionalização do existente (economia e outras ciências duras); humanização do existente (filosofia, política e pensamento jurídico: discurso pseudo-filosófico que justifica práticas que atenuam defeitos de uma ordem); subjetivismo narcisista (não há reimaginação da ordem).

Essas três tendências desarmam a imaginação transformadora. Comprometem o processo de entender o presente e de imaginar o possível. Unger nota que não poder imaginar o possível adjacente é sintoma da impossibilidade de entender o que existe.

Quinto ponto de partida. Tem a ver com o Brasil. Nossas instituições são copiadas, emprestadas.

E como é o ensino do direito e um currículo de ensino no Brasil?
Imagina esse curriculum em alguns eixos temáticos e aloca as disciplinas tradicionais.
Eixo temático 1: construção jurídica da personalidade. Parte geral do D. Civil, Família, D. Constitucional (D. Fundamentais) e, talvez, D. Penal.
Eixo 2: estrutura de coordenação na sociedade. D. das obrigações, D. das coisas e a responsabilidade civil.
Eixo 3. Produção, empresa e trabalho: direito comercial e societário, trabalho e direito financeiro.
Eixo 4. Estado e sua relação com sociedade: Direito Constitucional e Direito Administrativo.
Eixo 5. Jurisdição. Construção jurisdicional e extrajurisdicional. Processo civil e penal. Arbitragem e outros temas que envolvem prestação jurisdicional
Eixo 6. Práticas de análise jurídica.

Qual é a visão de método que melhor corresponderia a esses conteúdos?
Cada um dos eixos tem 4 passos, encadeados.
Primeiro: desmistificar o direito existente. Ele não é um sistema. Mostrar que há soluções dominantes e outras periféricas.
Segundo: contextualização, em duas partes: genealogia histórica; análise da agenda viva de debates nessa área do direito. Onde estão as oportunidades transformadoras contrastantes.
Terceiro passo: Descrever e explicitar a estrutura argumentativa dominante nessa área. Apresentar os argumentos recorrentes. Revelar suas limitações e possibilidades de transformação.
Quarto passo: aprofundamento seletivo. Fazer as ligações entre genealogia

Que conteúdos comporiam um currículo de um “direito global”.
1. Abrangeriam, especialmente, o Direito comparado e o direito internacional público. Como compreendê-lo, como estudá-lo? É um truísmo dizer que o direito está sendo globalizado. Mas esse direito precisa ser visto como a expressão jurídica desse repertório restritivo das opções institucionais existentes no mundo. Quem compreende esse repertório restritivo, tem o instrumento mais importante para entender como o direito é construído no mundo todo.

As faculdades deveriam capacitar seus alunos em alguns eixos:
1. O desenho das transações: como concebê-las, prepará-las;
2. O litígio: o embate dentro e fora de um ambiente jurisdicional.
3. Organização da produção: diferentes formas de prover os serviços profissionais.
Esses 3 eixos deveriam ser empoderados por práticas atuantes.
4. Eixo: Disciplinas auxiliares (ou o currículo da subversão e da profecia).
Em geral as ideias fornecidas pelas ciências sociais são, normalmente parte do problema, em vez de ser parte da solução. O Brasil não tem ensino universitário pré-profissional, então esse currículo faria às vezes dessa formação pré-profissional, em três vertentes:

Primeira a economia política das instituições. Sobretudo, da economia de mercado. A economia existente, é, normalmente, anti-institucional.
Segunda : sociologia e ciência política. Unidas. Aqui, é preciso dar atenção à dialética entre estado e sociedade.
Terceira. Pensamento brasileiro. Imaginação do Brasil. Atualmente, no Brasil, há um marxismo envergonhado (o que abandonou a vertente transformadora); ainda, há uma cópia das ciências sociais americanas.

TRES OBSTÁCULOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DESSE PROJETO PEDAGÓGICO (Na ordem inversa de sua importância real)

1. Um projeto tão ambicioso exige pessoas que não existem. Mas é um meio problema. Todas as transformações são assim. A tarefa sempre vem antes dos agentes. São os agentes existentes que mudam de papel.
2. Esse projeto não parece fazer parte das ambições dos que frequentam as faculdades, sobretudo dos alunos. Há um conflito entre colocação rápida no mercado e o desejo de fazer parte de uma elite do estado ou da economia. Há uma preferência pela doutrinação e pelo estudo do pacto dominante.
3. Colonialismo mental. Acostumo-nos a seguir. Este projeto exige que estejamos dispostos a construir o caminho e acostumarmo-nos, com a ideia incomoda da grandeza.

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