Empresas não são cidadãos: democracia e capitalismo em debate no STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) realizará, nos dias 17 e 24 de junho, audiência pública sobre o modelo normativo vigente para financiamento das campanhas eleitorais. 

A audiência foi convocada pelo ministro Luiz Fux, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4650, ajuizada em 05/09/2011, na qual o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil questiona diversos preceitos das Leis nº 9.096/95 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos) e 9.504/97 (Lei das Eleições).
A ação ajuizada pela OAB questiona, entre outros pontos, a constitucionalidade das normas que autorizam doações a campanhas eleitorais feitas, direta ou indiretamente, por pessoas jurídicas.

Além disso, pede a declaração de inconstitucionalidade dos critérios vigentes de doações feitas por pessoas naturais, baseadas em percentual dos rendimentos obtidos no ano anterior, com o argumento de que tal situação cria um ambiente em que as desigualdades econômicas existentes na sociedade sejam convertidas, agora de forma institucionalizada, em desigualdade política. 
Veja alguns trechos que selecionei, para que se entenda as razões da OAB contra a participação política de pessoas jurídicas:

As pessoas jurídicas, ressalvados os casos definidos pelo legislador, podem fazer doações a campanha eleitoral de valores que representem até 2 % do seu faturamento no ano anterior ao da eleição (art. 81 da Lei 9.504/97). Podem também fazer doações aos partidos políticos, que, por sua vez, têm a possibilidade de repassar estes recursos aos seus candidatos, estando estes repasses sujeitos ao mesmo teto (art. 39, caput e Parágrafo 5º, da Lei 9.096/95, e Resolução TSE nº 23.217/2010, art. 14, § 2º, II, c.c art. 16). 

O que se defende na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade é, em primeiro lugar, que não se afigura constitucionalmente admissível a permissão de doações a campanhas eleitorais feitas, direta ou indiretamente, por pessoas jurídicas. As pessoas jurídicas são entidades artificiais criadas pelo Direito para facilitar o  tráfego jurídico e social, e não cidadãos, com a legítima pretensão de participarem do processo político- eleitoral. (p.9, da Petição da OAB).

A ampla possibilidade de realização de doações eleitorais, diretas ou indiretas, por  pessoas jurídicas ou naturais, confere aos detentores do poder econômico a  capacidade de converter este poder, de forma praticamente automática, em  poder político, o que tende a perpetuar o quadro de desigualdade sócio - econômica, favorecendo as mesmas elites de sempre. A elite econômica se mantém como tal não pela via da concorrência legítima no mercado econômico, mas através da conversão dos governos em instrumento de  realização de seus interesses. (p.12, da Petição da OAB).

A ofensa à igualdade aqui tem vários desdobramentos. Sob  o ângulo do eleitor, são privilegiados os que têm mais recursos econômicos, em detrimento dos que não os possuem, na medida em que se fortalece o poder político dos primeiros, em detrimento dos segundos. Sob o prisma dos candidatos, favorece - se indevidamente àqueles mais ricos – que podem financiar as próprias campanhas, sem limites –, bem como aqueles que têm mais conexões com o poder econômico, ou que adotam posições convergentes com a sua agenda política, pois estes têm acesso mais fácil às doações. (p.13, da Petição da OAB).

A doação para campanhas ou partidos se insere no sistema integrado pelos direitos políticos, que são restritos ao cidadão: não se trata de direito individual, passível de ser estendido também às pessoas jurídicas (p.14, da Petição da OAB).

Suscitar a liberdade de expressão não é adequado para proteger o suposto direito de as pessoas jurídicas realizarem tais doações. Não há a necessidade de se ponderar igualdade política e liberdade de expressão, pois esta simplesmente não está em questão. Tal como, por exemplo, o direito de ajuizar ações populares, a realização dessas doações concerne aos direitos de cidadania, não ao exercício da liberdade de expressão. (p.24, da Petição da OAB).

O interesse contraposto à restrição às doações de campanha, por parte das pessoas jurídicas, é a liberdade econômica destas entidades de utilizarem o próprio patrimônio da forma como decidirem. No nosso sistema constitucional, esta liberdade, conquanto protegida, não desfruta da mesma tutela reforçada que salvaguarda as liberdades políticas e existenciais. No modelo do Estado Social e Democrático de Direito, adotado pela Carta de 88, as liberdades econômicas podem e devem ser restringidas, de forma proporcional, em favor de valores e objetivos como a promoção da democracia e da justiça social. (p.25, da Petição da OAB).

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