MEIO BILHÃO DE DÓLARES E O HAITI 5 ANOS DEPOIS: O CASO “CRUZ VERMELHA”




Compartilho minha leitura, e tradução, dessa recente reportagem publicada pela Agência de Notícias dos EUA, PROPUBLICA, em 03 de junho de 2015. É uma acusação grave à atuação de uma das mais conhecidas agências de ajuda humanitária: a Cruz Vermelha.

Presumo que será útil para entender, um pouco ao menos, algumas das razões pelas quais tantos haitianos tiveram de sair de seu país depois do terremoto de 2010, e por que tantos morreram de doenças, apesar de tanta ajuda humanitária ter sido enviada para lá, inclusive do Brasil. Não custa lembrar que perdemos Zilda Arns naquele terremoto.

A entrada de haitianos no Brasil ganhou força depois que um terremoto devastou o país caribenho em 2010, matando cerca de 300 mil pessoas. A maior parte dos haitianos chega pela cidade de Brasiléia, no Acre. Só em 2015, foi registrada a entrada de mais de 7 mil pessoas.

Não sei que tipo de ação a Cruz Vermelha brasileira vem realizando para ajudar o Brasil a recepcionar os cidadãos do Haiti que tiveram de vir para nosso país. O número não é preciso, mas fala-se de mais de 50.000 haitianos, só nos ultimos 4 anos. 

Por outro lado, o site da ONG revela que, só neste ano, os brasileiros já doaram R$130.000,00 para essa ONG realizar ajudas humanitárias no NEPAL.

A solidariedade do povo brasileiro, com questões humanitárias, segue em alta. Na primeira semana de arrecadação de fundos na campanha para auxiliar às vítimas do terremoto no Nepal, a Cruz Vermelha Brasileira já arrecadou R$ 130 mil em doações. Leia mais 

No Brasil, sabemos, não temos uma boa cultura de vigilância republicana.

Essa matéria da Agência PROPUBLICA pode ser útil.

COMO A CRUZ VERMELHA LEVANTOU MEIO BILHÃO DE DÓLARES PARA AJUDAR O HAITI E, AO FINAL, CONSTRUIU APENAS SEIS CASAS

Esta notícia foi veiculada nesta semana, originalmente em inglês, pela ProPublica, que é uma agência de notícias independente, sem fins lucrativos que produz jornalismo investigativo e de interesse público.

A ProPublica foi fundada por Paul Steiger, ex-editor-chefe do The Wall Street Journal. Agora é liderada por Stephen Engelberg, ex-editor-chefe do The Oregonian e ex-editor investigativo do The New York Times, e por Richard Tofel, ex-editor assistente do The Wall Street Journal. A sede é em Manhattan. A criação foi anunciada em outubro de 2007. As operações começaram em janeiro de 2008, e a publicação começou em junho de 2008.

Mais detalhes:
https://www.propublica.org/about/

A reportagem é de: Junho de 2015.

O bairro de Campeche se estende até uma encosta íngreme na capital do Haiti, Port-au-Prince. Cabras reviram no lixo que nunca é coletado. Crianças chutam uma bola de vôlei vazia num lote poeirento próximo de uma parede com um logotipo da Cruz Vermelha Americana pintado à mão.

No final de 2011, a Cruz Vermelha lançou um projeto multimilionário para transformar a área desesperadamente pobre, que foi duramente atingida pelo terremoto que atingiu o Haiti no ano anterior. O foco principal do projeto - chamado LAMIKA, um acrônimo em crioulo para "uma vida melhor no Meu Bairro" - foi a construção de centenas de casas permanentes.

Hoje, nem uma casa foi construída em Campeche. Muitos moradores vivem em barracos feitos de chapa de metal enferrujado, sem acesso a água potável, eletricidade ou saneamento básico. E quando chove, suas casas inundam e os residentes ficam atolados na lama e na água.

A Cruz Vermelha recebeu uma torrente de doações após o terremoto, cerca de meio bilhão de dólares.

O grupo celebrou publicamente o seu trabalho. Mas, na verdade, a Cruz Vermelha tem falhado repetidamente no caso do Haiti. Memorandos confidenciais, e-mails de oficiais superiores muito preocupados, e manifestações de uma dezena de insiders frustrados e decepcionados mostram que a caridade quebrou promessas, que doações foram desperdiçadas, e que houve muitas afirmações dúbias de sucesso.

A Cruz Vermelha diz que forneceu casas para mais de 130.000 pessoas. Mas o número real de casas permanentes que o grupo construiu em todo Haiti foi: 6 (seis).

Após o terremoto, o CEO da Cruz Vermelha Gail McGovern revelou planos ambiciosos para "desenvolver uma nova comunidade." Nada jamais foi construído.

Organizações de ajuda humanitária de todo o mundo se mobilizaram intensamente após o terremoto no Haiti, que é o país mais pobre do Hemisfério Ocidental. Mas a investigação do ProPublica e NPR revela que muitas das falhas da Cruz Vermelha no Haiti são de sua própria responsabilidade. São parte de um padrão mais amplo no qual a organização tem falhado na entrega de ajuda humanitária a populações afetadas por desastres, como a Supertempestade Sandy. Apesar dessas falhas, a Cruz Vermelha continua a ser a instituição de caridade preferida para receber donativos dos americanos e das corporações após desastres naturais.

Uma questão que tem dificultado o trabalho da Cruz Vermelha no Haiti é uma dependência excessiva de estrangeiros que não falam nem o francês, nem o crioulo, dizem ex-funcionários e também atuais.

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A Cruz Vermelha não vai divulgar detalhes de como gastou centenas de milhões de dólares doados para o Haiti. Mas o nosso relatório do ProPublica revela que menos dinheiro chegou aos necessitados do que a Cruz Vermelha informou.
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"Milhões de haitianos estão mais seguros, mais saudáveis, mais resistente e melhor preparados para futuros desastres graças a generosas doações à Cruz Vermelha Americana", McGovern escreveu em um recente relatório que marca o quinto aniversário do terremoto.
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Quando o terremoto atingiu o Haiti em janeiro de 2010, a Cruz Vermelha estava enfrentando uma crise. McGovern tinha se tornado chefe-executivaapenas 18 meses antes, e herdando um déficit e uma organização que enfrentou escândalos após o “9 de setembro” e depois do furacão Katrina.

Dentro da Cruz Vermelha, o desastre do Haiti foi visto como "uma oportunidade espetacular captação de recursos", lembra um ex-funcionário que ajudou a organizar o esforço. Michelle Obama, a NFL e uma longa lista de celebridades apelou para doações para o grupo.

A Cruz Vermelha continuou solicitando dinheiro bem depois que tinha o suficiente para aliviar emergência. Já a ONG “Médicos Sem Fronteiras”, em contraste, parou a captação de recursos depois que decidiu que tinha dinheiro suficiente. As doações para a Cruz Vermelha a ajudou a apagar o seu déficit de mais de 100 milhões de dólares.
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Pedimos à Cruz Vermelha para nos mostrar seus projetos no Haiti para que pudéssemos ver os resultados do trabalho. Ela se recusou. Então, no início deste ano fomos para Campeche para ver, por nós mesmos, um dos projetos do grupo.
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O Plano inicial da Cruz Vermelha era a construção de casas - uma proposta de circulação interna colocava o número de 700. Cada uma teria pisos acabados, banheiros, chuveiros, e até mesmo sistemas de recolha de águas pluviais. As casas deveriam ser concluídas em Janeiro de 2013.

Nada disso aconteceu. Carline Noailles, que era o gerente do projeto, em Washington, disse que foi tudo foi infinitamente adiado porque a Cruz Vermelha "não tinha know-how".
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O projeto já foi reformulado e reduzido. Uma estrada está sendo construída. Algumas casas existentes receberam reforços de proteção contra terremotos e algumas escolas estão sendo reparadas. Algumas lampadas fotosensíveis de rua foram instaladas, embora muitas não funcionam mais e os moradores dizem que outras não são confiáveis.
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Ao invés de promover melhorias concretas das condições de vida, a Cruz Vermelha lançou campanhas educativas sobre como lavar as mãos. A avaliação interna observou, depois, que essas campanhas "não foram eficazes pois as pessoas não tinham acesso a água e sabonete." (A Cruz Vermelha não quis comentar o projeto.)

Mas as falhas cometidas pelo grupo vão além das questões de infra-estrutura.

Quando uma epidemia de cólera se alastrou no Haiti nove meses após o terremoto, a maior parte das respostas dadas pela Cruz Vermelha – para um plano de distribuição de sabão e sais de reidratação oral – é que o projeto foi prejudicado por "questões internas que não foram analisadas", escreveu o diretor programa para o Haiti em seu memorando Maio de 2011.

Ao longo daquele ano, a cólera foi fatal. Até setembro de 2011, quando o número de mortos já tinha ultrapassado 6.000, o projeto ainda foi classificado como "muito atrasado" de acordo com um outro documento interno.
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Mas então, por que os esforços da Cruz Vermelha falharam tão rapidamente? Não foi apenas por que o Haiti é um lugar difícil de trabalhar.
"Eles arrecadaram quase meio bilhão de dólares", disse um funcionário do Congresso que ajudou a supervisionar a reconstrução do Haiti. "Mas eles tinham um problema. E o problema era que não tinha absolutamente nenhuma expertise".

Às vezes, não era uma questão de expertise, mas de preenchimento dos postos-chave. Em abril de 2012, por exemplo, um organograma obtido pela ProPublica e NPR lista que 9 de 30 posições de liderança no programa para o Haiti estavam vaga, incluindo vagas para especialistas em saúde e abrigo.
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Há razões para duvidar das alegações da Cruz Vermelha "de que ajudou cerca de 4,5 milhões de haitianos”. Uma avaliação interna constatou que, em algumas áreas, a Cruz Vermelha informou ter ajudado mais pessoas do que as que viviam nessas comunidades. Em outros casos, os valores foram baixos, e em outros a dupla contagem teve de ser corrigida.
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A versão completa da reportagem, em inglês, está disponível em:
https://www.propublica.org/article/how-the-red-cross-raised-half-a-billion-dollars-for-haiti-and-built-6-homes









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