CLAMAR POR DITADURA É IMORAL E É CRIME





           
Notou que há pessoas clamando por intervenção militar na ordem democrática. Será uma liberdade constitucional incitar a sociedade e as forças armadas a fazer isso? 

A foto acima foi divulgada pelo Jornal Gazeta do Povo, em reportagem de 17.03.2015. 
              

       No julgamento em que discutiu a apologia ao racismo, o 
Supremo Tribunal Federal (STF) disse uma coisa óbvia: que a liberdade de expressão é uma garantia constitucional. Contudo, disse outra coisa que na época não era assim tão óbvia: que a liberdade de expressão não é absoluta. Existem limites não só morais como também jurídicos para exercer essa liberdade. 

Disse a Corte Suprema:

O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. (STF, HC 82.424 / RS, Rel:  Min. MOREIRA ALVES, 17.09.2003)
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  Como se vê, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou por reconhecer, corretamente, que existem limites constitucionais àquelas liberdades de manifestação e de expressão do pensamento que estão garantidas pelo Art. 5o, IV, onde se lê: "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato"; e pelo Art. 220, que estabelece: A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.  
          
          O STF afirmou que os tais limites a essa liberdade de expressão são dados pelo próprio texto constitucional, em primeiro lugar; e pelas leis que especificam esses enunciados do texto constitucional ----- mas aí, claro, desde que tais especificações sejam proporcionais e razoáveis.

            
         Então, os limites à liberdade de expressão já estão na própria Constituição do Brasil. Na realidade, é por isso que lá no Art. 5o.  está escrito assim: que "é garantido aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à liberdade". Porém, o enunciado não para aí. É preciso notar bem o que vem já na parte final desse dispositivoEstá escrito: “nos termos seguintes”. Quer dizer, liberdade nos termos do próprio texto constitucional já a seguir. 

          O que será, tecnicamente, esse enunciado final “nos termos seguintes”? É uma regra geral de restrição à liberdade geral que todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País podem ter, liberdade essa que, à primeira vista ----- mas só à primeira vista ----- é ampla e ilimitada. Esse enunciado final “nos termos seguintes” é, tecnicamente, uma regra geral de restrição que abre a possibilidade de o texto constitucional condicionar e também estabelecer exceções à liberdade geral. É um enunciado, portanto, que autoriza restrições.

          Para entender o alcance (e os limites) das liberdades constitucionais é preciso considerar que o texto constitucional não deve ser lido em pedaços ou fatias. O intérprete sempre deve oferecer uma leitura que harmonize o sistema de direitos e de deveres. A constituição é um complexo sistema relativamente bem articulado de enunciados. 


         Em nosso direito constitucional existe uma garantia de liberdade geral (está lá no caput do Art. 5o e é, à primeira vista, ampla). Porém, existem limites a essa liberdade, também constitucionais (está lá no enunciado "nos termos seguintes", também no caput do Art. 5o). 

     Agora, se quisermos entender o alcance das liberdades constitucionais específicas, como é o caso da liberdade de expressão e de manifestação, temos de notar a existência não só da garantia expressa da "liberdade de manifestação do pensamento" (que está lá da primeira parte do Art. 5o, IV) como a garantia expressa de liberdade de "manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição." (que está lá na redação posta pelo Art. 220). Teremos de prestar atenção também às restrições postas pelo próprio texto constitucional: "vedado o anonimato" (na parte final do inciso IV, do Art. 5o); "observado o disposto nesta Constituição" (parte final do Art. 220). 

          Tudo isso que equivale a dizer o seguinte: no Brasil é garantida a inviolabilidade do direito à liberdade, "nos termos a seguir”; no Brasil podemos "nos manifestar e expressar nosso pensamento", desde que não seja no "anonimato" e desde que de acordo com "o disposto na Constituição" vigente do Brasil.

          Quem ler os incisos do Art. 5o vai ver que formam uma longa lista de "termos seguintes". E vai ver também que um desses "termos seguintes", é o de número 42 (Art. 5o. XLII) que estabelece a seguinte restrição para o exercício da liberdade geral:  “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. 
       
       Não se surpreenda: a Constituição criminalizou a prática do racismo. É isso mesmo. Definiu até a pena: reclusão. Só não definiu o tempo da pena de reclusão. Poderia, mas não o fez. Assim, o próprio texto constitucional converteu-se numa limitação explícita ao alcance da liberdade geral de fazer ou deixar de fazer alguma coisa, isto é, de ação. Quem praticar o racismo está sujeito à pena de reclusão. Logo, ninguém tem o direito de exigir liberdade para praticar o racismo. 

         Como o racismo é conhecido como uma prática que recusa tratar certas pessoas ou grupos em condições de igualdade com base no preconceito de raça, e também é uma prática de difusão de preconceitos e discriminações que degradam, isto é, que visam inferiorizar ou simplesmente desqualificar pessoas com base nesse entendimento, a Lei de nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, previu penas para atos que resultem em discriminação ou preconceito de raça (além de outros, baseados em preconceitos de cor, etnia, religião ou procedência nacional).

          Quer dizer: o fato de a Constituição estabelecer que a prática do racismo é crime, então isso, só por si, é uma norma constitucional de restrição à liberdade ampla de agir, que está no caput do Art. 5o. Isto é, essa norma do inciso XLII que criminaliza o racismo cria uma hipótese de exceção à liberdade geral de agir com um certo fim. No Brasil, quem discriminar e atuar de modo preconceituoso com base na ideia de raças superiores e inferiores, ou quem expressar o pensamento com o fim de incitar outras pessoas a fazerem isso, ou seja, a discriminar e a espalhar por aí o preconceito racial, está sujeito à pena de reclusão. 

            Quer dizer mais: brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil não tem a liberdade constitucional específica para discriminar pessoas com o fundamento racista, nem para manifestar seu pensamento racista com o fim de discriminar, nem para incitar outras pessoas a fazê-lo. A pessoa pode ser racista, pode ter ideias racistas, pode crer que o racismo seja o melhor modo de vida social. Mas no Brasil não poderá expressar essa preferência a fim de diferenciar pessoas, ou de estimular práticas discriminatórias com esse fundamento.  

            A Constituição, portanto, tem uma regra geral ampla que garante liberdades. Porém, tem também restrição expressa para a discriminação por motivos racistas. Essa restrição é uma exceção à liberdade geral para expressar e manifestar preferências. Nenhum brasileiro ou estrangeiro residente no país tem a liberdade específica de discriminar pessoas por motivos racistas, nem de incitar pessoas à prática da discriminação racista.

        O mesmo raciocínio jurídico aplicado ao caso da manifestação de preferências racistas se aplica também a outras condutas igualmente criminalizadas pelo texto constitucional ou cuja prática seja expressamente proibida pela Constituição. Condutas criminalizadas ou proibidas pelo texto constitucional são restrições à liberdade geral de fazer ou deixar de fazer alguma coisa.

         É certo, por isso, que no Brasil não existe garantia constitucional de liberdade para praticar ou para incitar pessoas a praticar os atos criminalizados pelo Art. 5o. XLIII da Constituição, ou seja, atos de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, de terrorismo e os definidos como crimes hediondos.

          De novo estamos diante de restrições constitucionais à liberdade geral de fazer alguma coisa. Brasileiros e estrangeiros residentes no País não têm o direito de exigir a liberdade específica para praticar ou incitar pessoas a praticar a tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes, o terrorismo e crimes hediondos. Essas práticas foram criminalizadas pela Constituição. Não são livres. 


         Mais uma vez: incitar pessoas a fazer isso equivale a abusar da liberdade geral de manifestação e de expressão. É abuso, pois incitar pessoas a praticar tais atos equivale a convidá-las à prática de crimes com status constitucional, portanto, de natureza fundamental, ou seja, equivale a convidá-las a violar regra constitucional que expressamente exclui tais condutas do âmbito de proteção das liberdades gerais.  

            Aqui é preciso ter cuidado aqui. E não confundir a célebre “Marcha da Maconha” com a apologia e o incitamento ao uso de entorpecentes e drogas afins. O STF, ao analisar o caso concreto da “Marcha da Maconha” na ADPF 187 / ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL, Julg: 15/06/2011, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO (Pleno), entendeu, corretamente, que:

"a mera proposta de descriminalização de determinado ilícito penal não se confundiria com ato de incitação à prática do crime, nem com o de apologia de fato criminoso. A defesa, em espaços públicos, da legalização das drogas ou de proposta abolicionista a outro tipo penal, não significaria ilícito penal, mas, ao contrário, representaria o exercício legítimo do direito à livre manifestação do pensamento, propiciada pelo exercício do direito de reunião. O Min. Luiz Fux ressalvou que deveriam ser considerados os seguintes parâmetros: 1) que se trate de reunião pacífica, sem armas, previamente noticiada às autoridades públicas quanto à data, ao horário, ao local e ao objetivo, e sem incitação à violência; 2) que não exista incitação, incentivo ou estímulo ao consumo de entorpecentes na sua realização; 3) que não ocorra o consumo de entorpecentes na ocasião da manifestação ou evento público e 4) que não haja a participação ativa de crianças e adolescentes na sua realização."  
            
          Então: manifestar-se a favor da revogação de uma lei é diferente de manifestar-se a fim de estimular as pessoas a usar ou a traficar entorpecentes e drogas afins. A diferença e sutil. Mas existe. 

          Em Curitiba, há poucas semanas, um outdoor manifestava o interesse de mudar a legislação que confere direitos especiais às pessoas com deficiência. Dizia o outdoor: "Pelo fim dos privilégios para deficientes", de autoria de um suposto "Movimento pela Reforma de Direitos". Gerou grande polêmica, claro. Depois descobriu-se que a ação foi pensada e desenvolvida pelo Conselho da Pessoa com Deficiência de Curitiba

         Não havia abuso nessa manifestação de preferência. Como no caso da "Marcha da Maconha", era uma iniciativa pela revogação de direitos. Não era incitação à prática de violências contras pessoas com deficiência. 

O CASO DA AÇÃO DE GRUPOS ARMADOS CONTRA A ORDEM CONSTITUCIONAL E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. 

         No Brasil, tentar impedir com violência o livre exercício dos Poderes ou simplesmente incitar à violação da ordem democrática são atos antijurídicos com natureza de crime inafiançável e imprescritível. Como nos casos precedentes, ou seja, nos casos do racismo, da tortura, dos crimes hediondos, do tráfico ilícito de entorpecentes, não existe no Brasil, o direito de exigir liberdade para incitar pessoas, ou as forças armadas, a atentar contra o regime democrático vigente. 

       A Constituição do Brasil criminalizou "
a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático". Veja o que diz o Art. 5o, XLIV: 

Constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático

Como essa restrição expressa está escrita na lista dos incisos do Art. 5o, também ela é parte das condições e exceções para exercer as liberdades gerais "nos termos seguintes", e "nos termos desta Constituição". Não existe, portanto, a suposta liberdade específica para expressar ou manifestar intenção de atentar contra o Estado de Direito e o regime democrático, porque “incitar à violação da ordem democrática por grupos civis ou militares” é uma forma de expressar intenção de mobilizar grupos armados contra a ordem constitucional e contra o Estado de Direito. Mas isso é crime inafiançável e imprescritível. 

Além o texto constitucional, a Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983)  prevê o seguinte: 

Art. 16 - Integrar ou manter associação, partido, comitê, entidade de classe ou grupamento que tenha por objetivo a mudança do regime vigente ou do Estado de Direito, por meios violentos ou com o emprego de grave ameaça. Pena: reclusão, de 1 a 5 anos.

Art. 17 - Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito. Pena: reclusão, de 3 a 15 anos.
            
         No Art. 22 da Lei 7.170/83 há também a previsão de crime de apologia à ditadura de qualquer tipo. 

        Esse Art. 22 estabelece que é crime “Fazer, em público, propaganda: I - de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social. Pena: detenção, de 1 a 4 anos”

        No mesmo Art. 22, mas no § 2º, está escrito que “sujeita-se à mesma pena quem distribui ou redistribui: b) ostensiva ou clandestinamente boletins ou panfletos contendo a mesma propaganda”; 

         E no Art. 23 a lei define como crime: “Incitar: I - à subversão da ordem política ou social;  II - à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis. Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.

            
      Desse modo, percebe-se que no Brasil é crime (por definição constitucional e também legal) a ação de grupos armados, militares ou civis, contra a ordem constitucional ou contra o Estado Democrático. É  crime também (por definição de lei) participar de organização que vise mudar, por meios violentos, o regime democrático (que é o vigente); é crime também tentar mudar o regime democrático (que é o vigente) com emprego de violência; é crime também tentar impedir o livre exercício de qualquer dos Poderes com emprego da violência.


        É bastante evidente, a Constituição expressamente restringe à liberdade de ação de grupos armados, civis ou militares: se podem existir para outros fins, não têm o direito de atentar contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

        É bom lembrar que no caso do racismo, o STF se baseou no texto constitucional que prevê que "a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão" para dizer que não existe a liberdade específica de incitar pessoas a praticar o racismo. 

         No caso da manifestação de preferência pela "ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático"  não há decisão do STF sobre se pessoas e grupos não armados poderiam manifestar publicamente sua preferência pela quebra da ordem constitucional e o Estado Democrático. 

      Na realidade nem precisa de uma decisão assim. Manifestar pensamento incitatório à violação do regime democrático é crime definido e penalizado por lei. Quer dizer, a lei fez para o regime democrático o que o STF fez para o caso do racismo: reconheceu como crime o ato simples de incitar, de fazer apologia dessa prática. 

         É por isso que a lei diz que fazer propaganda ou distribuir panfletos, boletins (físicos ou eletrônicos, pouco importa a tecnologia) de procedimentos ilegais de alteração da ordem política ou social é crime. 


       E a Lei foi ainda mais longe: prevê como crime o simples incitar a subversão da ordem política e à animosidade entre Forças Armadas e instituições civis (Lei 7.170/83, Art. 23, II)

            
            Isso quer dizer que, como no caso do racismo, ninguém tem o direito de exigir liberdade específica para incitar pessoas a praticar atos que atentem contra o regime democrático. Fazer apologia da violação do regime democrático vigente e do atual Estado de Direito é conduta proibida, como é proibida a apologia das práticas racistas. A proibição de apologia de práticas racistas decorre da jurisprudência do STF. A proibição da clamar pela ditadura decorre de lei. A prática do racismo e a ação de grupos armados que visam atentar contra a ordem democrática são, ambos, crimes previstos no texto constitucional. E em nenhum dos casos existe liberdade garantida para incitar pessoas a praticá-los. 

         Clamar pela ditadura além de ser uma prática imoral por violar um dos valores morais supremos da ordem jurídica do Brasil (veja a lista dos valores morais supremos no Preâmbulo da Constituição), é ato de grave desrespeito à Constituição e às leis vigentes, portanto ao Estado de Direito vigente, portanto ao regime democrático vigente.

            
         O Código Penal brasileiro, para proteger a ordem jurídica, prevê penas para quem fizer apologia ou incitação a qualquer tipo de crime. 

        Código Penal, Título IX - DOS CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA 
       
       INCITAÇÃO AO CRIME
       Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime: 
       Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa. 

         APOLOGIA DE CRIME OU CRIMINOSO 
       Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: 
        Pena - detenção,de três a seis meses, ou multa.)

            
           Então, pode-se afirmar que, segundo o direito vigente no Brasil, fazer discursos, tomar parte de manifestações, escrever cartas, cartazes, mensagens eletrônicas, enfim, manifestar publicamente (ou clandestinamente no caso dos boletins e panfletos - Art. 22. § 2º, b da Lei 7.170/83) um pensamento interessado a mobilizar pessoas ou organizações (civis ou militares) a quebrar o regime democrático pela violência, como por exemplo pedir publicamente a intervenção militar na ordem política democrática, nada disso é liberdade garantida pelo direito brasileiro. Pelo contrário: é fato criminoso, grave, atentatório contra a segurança nacional e contra a paz pública, passível de responsabilização penal.

            Esse entendimento também apareceu numa decisão recente tomada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) no caso do Procurador da República que, em 2014, divulgou Carta pela internet, conclamando a intervenção militar no Brasil. A interpretação do CNMP naquele caso foi a de que o Procurador abusou do seu direito de liberdade de expressão ao escrever uma carta, na condição de integrante do Ministério Público, pedindo a atuação das forças armadas contra o regime democrático.


            O Plenário do CNMP constatou que:

 "o procurador da República em Joinville/SC, Dr. Davy Lincoln Rocha, ao publicar o referido texto em sua página pessoal na internet, com conteúdo ofensivo ao verdadeiro papel constitucional atribuído às Forças Armadas, difundindo-o também em outros blogs, chegando a instar os seus seguidores a compartilhar a mensagem, faltou com decoro pessoal, dever inerente às funções do membro do Ministério Público.
            Entendeu o colegiado que a aludida manifestação, na qual o subscritor assume sua condição de membro do Ministério Público Federal, é, em tese, atentatória ao regime democrático de direito, o qual o acusado está incumbido de defender por imposição constitucional e institucional, em clara afronta à dignidade das funções que exerce.

            Ademais, o pleno concluiu que a manifestação extrapolou os limites do direito constitucional de liberdade de expressão, ganhando feições de posicionamento institucional, visto que o acusado se identificou como procurador da República ao final de seu texto, malferindo, destarte, a dignidade das funções que exerce e deixando de observar o decoro pessoal exigido dos agentes políticos. Em razão disso, o Plenário deste Conselho Nacional decidiu pela instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor do referido agente ministerial, para apurar o descumprimento do dever legal de guardar decoro pessoal." (In. STF. MS 33.332- MANDADO DE SEGURANÇA. Julg.: 11/02/2015. Rel.: Min. LUIZ FUX)


            Além do STF, do Conselho Nacional do Ministério Público, também o Prof. Dr. René Dotti já se posicionou pela natureza criminosa da expressão pública do desejo de violar o regime democrático. Veja matéria do JornalGazeta do Povo, de 17.03.2015, aqui.


            A CONCLUSÃO 

          Se de um ponto de vista das relações civilizadas entre pessoas é errado agir com a intenção de aniquilar a liberdade política alheia de decidir, isto é, se é imoral defender a eliminação da autonomia política das pessoas, quero dizer, se é imoral pretender reduzir cidadãos à condição de meros súditos de algum grupo civil ou militar, ou seja, se é imoral pretender reduzir as pessoas à condição de meros objetos de um poder político; isto é, se é imoral pretender degradar, reduzir as pessoas à condição de coisa ou joguete de um poder, por outro lado, é imoral também de um ponto de vista jurídico pretender violar os valores supremos do Estado Democrático, como estabelecidos no Preâmbulo da Constituição. 


          E mais, de um ponto de vista jurídico a transição para a democracia, no Brasil, é protegida por uma densa armadura contra retrocessos. 

         Não existe nenhum direito específico de exigir liberdade para fazer parte de movimentos ou de organizações que operam pelo fim do regime democrático e da independência dos Poderes. Mais ainda, não existe, no Brasil, nenhuma liberdade jurídica específica para clamar pela intervenção militar contra as autoridades e instituições democráticas e republicanas, ou para incitar pessoas a pedir esse tipo de intervenção. Não existe, no Brasil, a menor liberdade jurídica para expressar publicamente o desejo de praticar, ou de ver praticados, atos que interrompam a democracia ou o livre funcionamento dos Poderes constituidos. 


           Que fique bem claro: fazer isso é crime. Tão grave quanto a incitação ao racismo, ao terrorismo, ao tráfico ilícito de entorpecentes, à tortura, à prática de crimes hediondos.

              Os que estão praticando esses atos na suposta crença de que estão exercendo sua liberdade de expressão devem ser advertidos. Não se surpreendam se, cedo ou tarde, receberem uma intimação para se manifestar num inquérito policial ou num processo criminal que os investiga ou os acusa de cometer "crime contra a segurança nacional" ou "crime contra a paz social".  

          Brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil podem não simpatizar com a da democracia, podem ter, pra si, ideais não democráticos, podem crer, podem orar, podem desejar ardentemente perante o espelho pela volta de autoritarismo militar, ou de qualquer outro tipo (comunista, socialista, estrangeiro): podem acreditar ardentemente que o autoritarismo seja a resposta para todos os problemas de uma sociedade complexa e plural e com problemas. 


       Entretanto, no Brasil, não se pode expressar essa preferência a fim de incitar pessoas ou organizações a praticar atos que atentem contra o regime democrático. Fazer isso é imoral, é crime previsto em lei e não tem amparo no regime constitucional de liberdades. 

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