Estamos vivendo numa simulação?

 

Há, aproximadamente, 20 anos, o futurista Nick Bostrom (Oxford University) publicou a primeira versão de seu inovador argumento da simulação, e perguntava: "Estamos vivendo em uma simulação de computador?”

Figuras públicas como Elon Musk e Neil deGrass Tyson também abordaram esse tema. Pedimos ao Prof. Nick Bostrom para ver algumas cenas dos filmes "The Matrix" enquanto ele explica sua hipótese de simulação. 

 


Publicado em 15/12/2021 - www.wired.com

TRANSCRIÇÃO

Mais de duas décadas depois do lançamento do primeiro filme, um novo Matrix está aí e sua visão da humanidade presa numa simulação ainda é relevante, dado o que futuristas como Nick Bostrom predizem sobre o caminho para a IA e VR. 

 

[Bostrom] Há computadores poderosos o suficiente para gerar milhões de exibições de toda a história humana. Mesmo que apenas uma pequena fração dos recursos de uma civilização tecnologicamente madura fosse usada para esse propósito simulador, a grande maioria das mentes como a nossa poderia estar vivendo em mundos simulados e não histórias originais. 

 

[Narrador] Há 20 anos o Professor Bostrom publicou a primeira versão de seu inovador argumento da simulação que pergunta: estamos vivendo em uma simulação de computador? 

 

[Neo] Neste momento, estamos dentro de um programa de computador? É realmente tão difícil de acreditar? 

 

[Narrador] Não para alguns cientistas proeminentes e estrelas da tecnologia. Por isso, revimos The Matrix com o Professor Bostrom, enquanto ele explicava sua hipótese da simulação. O argumento da simulação de Bostrom não resolve a questão, mas faz com que, à medida que o poder computacional e o progresso na inteligência artificial crescem, uma das seguintes afirmações deve se tornar verdadeira. 

 

Primeiro, a espécie humana será extinta antes de entrar em uma fase pós-humana. Em outras palavras, desapareceremos antes de nos tornarmos tecnicamente capazes de criar simulações computacionais com mentes conscientes dentro dela. 

 

A segunda possibilidade é que não haverá extinção da espécie humana e seremos tão evoluídos que não estaremos interessados em realizar esse tipo de simulações. 

 

[Bostrom] A terceira é a hipótese da simulação, e segundo ela já estamos vivendo em uma simulação computacional.

 

[Morpheus] O que é real? Como você define o real? 

 

[Bostrom] Eu achei que o primeiro filme Matrix, especialmente, foi muito legal. Se o argumento da simulação é sólido, parece ser uma grande revelação sobre onde nos encaixamos, na estrutura maior da realidade. 

 

[Narrador] Ao longo da história, desde o conceito budista de Darma à crença asteca de que nosso mundo seria uma pintura dos Deuses, à alegoria da caverna de Platão, sempre brincamos com a ideia de realidade como uma ilusão, como uma sombra do que é verdadeiramente real. 

 

[Bostrom] Quero dizer que as pessoas têm pensado desde os tempos antigos sobre a questão de como podemos ter certeza de que não estamos sonhando ou que não há como um demônio estar nos iludindo a acreditar que existe um mundo externo. 

 

[Narrador] Mas foi só quando o filme Matrix, de Wachowski, saiu em 1999, que a possibilidade da realidade executada por computadores incendiou a imaginação popular. 

 

[Bostrom] Se a hipótese da simulação for verdadeira, não acho que a melhor maneira de caracterizar as coisas seria dizer que o mundo que percebemos não é real. Eu preferiria defini-lo como real, mas sua realidade consiste em ser simulada por um computador. 

 

Numa dada cena de Matrix, mostra-se aos espectadores um porão horrível, ou seja, uma realidade básica. A inteligência artificial que criamos teria nos transformado em uma fonte de energia para rodar seus computadores. 

 

[Morpheus] A Matrix é um mundo de sonhos gerado por computadores, construído para nos manter sob controle, a fim de transformar o ser humano em energia. 

 

[Narrador] Mas isso seria possível? 

 

[Bostrom]  Essa hipótese faz sentido quando consumimos mais energia do que que geramos, mas há muitos mecanismos eficientes já disponíveis para converter energia. Seria desnecessário manter um organismo humano apenas para gerar calor mal aproveitado. 

 

[Narrador] Muito bem, se a premissa original de Matrix de que os humanos seriam baterias parece ineficiente e improvável, então como funcionaria a simulação de Nick Bostrom? 

 

[Bostrom]  A maneira de imaginar isso é que não haveria aqueles cérebros orgânicos flutuando em tanques com algum grande feixe de fibras plugado que os alimenta e com algum tipo de entrada para um mundo virtual simulado. Os próprios cérebros seriam parte da simulação. Você estaria consciente e em seu cérebro estaria a simulação, e seria simulado a um nível suficientemente detalhado que teria basicamente a mesma estrutura de processamento de informações. O que antes pensávamos ser realizado por  neurônios biológicos, agora saberíamos que todos esses neurônios biológicos são simulados. Esse processamento de informações poderia igualmente ser implementado em hardware de silício. Esta é uma espécie de premissa do argumento da simulação. Eu o chamo de independência do substrato, e corresponde à ideia de que a consciência pode ser implementada, não apenas em substrato biológico baseado em carbono, mas também em um substrato computacional. 

 

[Narrador] Noutra cena, os espectadores são apresentados a um programa de IA superinteligente que criou a Matrix. 

 

[Neo] Quem é você? 

 

[Architect] Eu sou o arquiteto. Eu criei a Matrix. 

 

[Narrador] Se vivemos, realmente, em uma simulação, quem ou o que criou nossa simulação? 

 

[Bostrom]  Se estamos em uma simulação, então ela foi criada por alguma forma de superinteligência e não por alguma inteligência humana. A tecnologia para ser capaz de criar simulações realistas e que têm criaturas conscientes como humanos nelas, é um tipo muito avançado de tecnologia, certo? E a civilização que teria desenvolvido tal tecnologia avançada, penso que também teria a tecnologia para melhorar sua própria inteligência e para construir formas muito sofisticadas de inteligência artificial. Assim, quando alguma civilização se tornar capaz de criar essas simulações, eles teriam a capacidade de desenvolver formas maiores de inteligência e eu acho que o fariam e, de fato, esta é a maneira mais parecida de ganhar a capacidade de criar estas simulações. Assim, os simuladores seriam entes superinteligentes. 

 

[Narrador] Mas por que uma civilização tecnologicamente madura criaria esses mundos? 

 

[Bostrom] Se nos tornássemos capazes de criar simulações, poderíamos criar muitos tipos diferentes de simulações. Poderíamos criar algumas que fossem de nosso próprio passado e que poderiam ser bastante realistas com base em nossos registros históricos. Também poderíamos fazer turismo histórico, isso se quiséssemos experimentar uma era passada e não pudéssemos realmente voltar no tempo por falta de máquinas do tempo. Além disso, poderíamos criar uma simulação de uma época histórica inteira. E poderíamos aprender entrando nela e experimentando sua forma de existência. Poderia haver muitas outras razões também. Poderíamos simular civilizações alienígenas que desconhecemos. Talvez isso pudesse ser muito útil para obter informações sobre como as civilizações alienígenas se comportariam no caso de nos depararmos com elas. Pense em todas as razões pelas quais os humanos tentaram criar, digamos mundos fictícios, usando as tecnologias que temos, mesmo que sejam apenas palavras em uma página, e que depois alavancaram a imaginação humana para criá-las. 

 

[Narrador] E, como naquela cena de Matrix, chegaríamos ao momento da verdade. 

 

[Morpheus] Você toma a pílula azul e a história acaba. Se você toma a pílula vermelha, a única coisa que lhe ofereço é a verdade. 

 

[Narrador] Se somos todos apenas programas de software rodando em um mundo simulado, por que seria importante saber a verdade, tal como Morpheus a oferece? 

 

[Bostrom] O mundo que percebemos ainda seria, num sentido relevante, real, pois, por exemplo, importaria muito, o que acontece na simulação, seria um assunto de grande preocupação para nós saber das experiências que teremos nessa realidade simulada. 

 

[Narrador] Então, se Morpheus lhe oferecer as pílulas, qual seria a escolha do professor Bostrom? A pílula vermelha ou a azul? 

 

[Bostrom] Como filósofo, eu acho que já engoli parte da pílula vermelha. Em vez da escolha binária da verdade máxima completa versus a permanência em nosso estado atual de ignorância, eu sou cauteloso por natureza. Portanto, se houvesse a terceira opção, eu poderia ser atraído por ela. 

 

[Narrador] Certo, então talvez uma pílula roxa. Mesmo que não estejamos vivendo em uma simulação, sabendo o que sabemos sobre os perigos da IA, deveríamos desistir de desenvolver uma superinteligência de máquina antes que ela se volte contra nós, como em Matrix ou Terminator ou 2001: a Space Odyssey ou Westworld ou Ex Machina? 

 

[Bostrom] Acho que seria trágico falharmos nesse ponto, isto é, nunca desenvolver uma boa solução para a superinteligência. Contudo, acho que a transição estará associada a grandes riscos, inclusive riscos existenciais. O que precisamos fazer é projetar sistemas de IA que estejam, fundamentalmente, do nosso lado e que compartilhem nossos valores, ou que estejam alinhados com as intenções humanas. 

 

Original, em inglês, disponível em:

https://www.wired.com/video/watch/are-we-living-in-a-simulation

Comentários

Postagens mais visitadas