1854 - RELATÓRIO ZACARIAS GÓES E VASCONCELLOS - EMANCIPAÇÃO POLÍTICA DO PARANÁ - PARTE III

Foto da antiga Cadeia Pública de Curitiba. Situava-se onde é hoje a Praça Tiradentes.





















O ESTADO DAS PRISÕES NA PROVINCIA DO PARANÁ (p.43-45)

Zacarias informa que a lei do império dividiu as prisões em 5 categorias: Casas de Detenção, Prisões de polícia municipal, Prisões de justiça da comarca, Prisões centrais de retenção e Casas de Correção.
No entanto, informa a Assembléia que isso não passava de “letra da lei”, pois no Paraná a melhor prisão da Província era a de Curitiba, mas mesmo ela “está longe de ser uma prisão de 3ª. classe”.
A cadeia de Paranaguá estava em estado deplorável e em Antonina a prisão ocupava o mesmo prédio onde a Câmara municipal se reunia. Em Castro, Príncipe (atual Lapa) e Guarapuava havia uma casa velha a que davam o nome de cadeia. Em suma, não havia nenhum prisão regular na Província.

TIPOGRAFIA (p.45-46)
Zacarias relata que Candido Martins Lopes trouxe uma tipografia do Rio de Janeiro e que publicava um pequeno periódico, além de realizar vários serviços gráficos para a Província. Não recebia subvenções, apenas tinha a Província como cliente. Zacarias o elogia pelo profissionalismo e imparcialidade.

ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA (p.46-47).
A administração da justiça tinha problemas graves. Zacarias destaca os seguintes:

1º. Vasta extensão do território que o juiz devia percorrer duas vezes ao ano;
2º. Falta de juizes letrados nos Termos (subdivisão da comarca). Os juizes existentes eram “completamente ineptos”, diz.
3º. Escassez de bons jurados. Pediu providências para ajustar esta situação. Comemorou o fato de não haver, no Paraná, o que ocorria muito noutros lugares: a afronta e o desrespeito à justiça. Segundo relata, no Paraná havia respeito às autoridades.

A POLÍCIA (p.47-48)
A polícia ressentia-se das deficientes condições de operação. Zacarias relata que era muito fácil fugir para Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Também era fácil fugir para o Paraguay ou Argentina; e portar armas ilegalmente não era difícil. Zacarias reclama à Assembléia da Província que o estado da polícia só poderia ser mudado se houvesse mais recursos públicos.

A ILUMINAÇÃO (p.47)
Havia iluminação apenas em Paranaguá e em Curitiba: no entanto, isso significava que havia “certo número de lampiões”. Em nenhum outro lugar havia iluminação, nem mesmo de lampiões. A despesa com lampiões era custeada por um imposto que foi revogado. Então acabaram os recursos para custeá-los. Apenas em Paranaguá acendiam-se pouco mais de 4 lampiões na cadeia e na alfândega. Em Curitiba acendiam-se 2 lampiões na residência do governo. Era tudo.

AS CAMARAS MUNICIPAIS (p.47-52)
As câmaras municipais pediam abertura de estradas, criação de mercados municipais e matadouros; pediam também a aprovação de leis locais (código de posturas municipais). Zacarias critica o fato de vários municípios haverem instituído tributos. Isso era proibido pela Constituição da Província. Pedia aos parlamentares para não aprovarem tais pedidos.

OS CEMITÉRIOS DA PROVINCIA DO PARANÁ (p. 52-53)
O relatório informa que no Paraná era muito comum o hábito de enterrar cadáveres em igrejas, mas que tanto a Igreja quanto a saúde pública reprovavam essa prática. Informa que os primeiros cemitérios do Paraná foram criados em Paranaguá, Antonina e Morretes, em 1850, e a razão foi o medo de que os cadáveres nas igrejas pudessem disseminar a febre amarela.
Zacarias mandou construir um cemitério público em Curitiba para evitar que continuassem a depositar ossos na catedral. Incumbiu a Benedicto Enéas de Paula esse mister.
Diz também que na região dos Campos Gerais já havia cemitérios públicos cercados por pedra e que, em Palmas, os cadáveres eram enterrados no campo.

A COLONIZAÇÃO ESTRANGEIRA NA PROVINCIA DO PARANÁ (p.53-59)
De acordo com este relatório, os primeiros colonos estrangeiros a virem para o Paraná foram franceses, alemães e suíços.
Zacarias relata que no litoral havia, em 1854, uma “esperança de colônia” de estrageiros. Eram 13 famílias de agricultores suíços liderados por Charles Perret Gentil que habitavam a península do Superaguy, desde 1852. Zacarias comemora o fato de esses suíços ensinarem a população local a cultivar a terra.
Zacarias relata que o governo deveria apoiar essa colonização. No entanto, tinha poucas esperanças de que o Império enviasse ajudas, pois segundo a legislação própria de auxílio a novas colônias, era preciso que a colônia estivesse a, no mínimo, 10 léguas da fronteira com países estrangeiros para receber auxílios, o que não era o caso da colônia do Superaguy, que estava na beira-mar.
A outra colônia de estrangeiros estava no interior da Província, às margens do rio Ivaí, na confluência do ribeirão das Campinas (atual município de Candido de Abreu, na MR do Norte Central paranaense, a 230 km de Curitiba).
Zacarias relata que ela tinha como Diretor o Dr. Faivre (Jean Maurice Faivre, médico francês) e levava o nome de Colônia Tereza --- esta colônia foi criada sob o patrocínio da Imperatriz Tereza Cristina, em 1847).
Zacarias relata que Dr. Faivre fundou essa “Colônia Tereza” no interior da província justamente para manter distância da escravidão, do comércio e de outros centros urbanos: a missão dessa colônia era formar “homens felizes e virtuosos”. A colônia tinha 2 moinhos, 20 casas e 90 habitantes.
No relatório há ainda a informação de que em 1828 o barão de Antonina auxiliou no estabelecimento de uma colônia alemã, em Rio Negro, que acabou não prosperando , mas os alemães continuaram a viver nas proximidades. Eram aproximadamente 100 alemães, entre homens e mulheres, diz Zacarias.

A COLONIZAÇÃO DOS INDIGENAS NA PROVINCIA DO PARANÁ (p. 60-65)
O relato de Zacarias dá conta que a situação com os indígenas era uma “desgraça”. Eram mais de 10.000 mil índios selvagens circulando pela Província. Nenhum trabalho de catequese ou de educação havia sido iniciado. Apesar disso, havia um relacionamento político entre Zacarias e um tal Cacique Veri. Este último o visitou para fazer alguns pedidos de armas, bois e a libertação de um menino de sua tribo, no que foi atendido.
O problema com os indígenas eram constantes, entretanto, novamente Zacarias menciona a gravidade da situação da vila de Ambrózios, em S. J. dos Pinhais.
O relatório menciona que poucas dessas nações indígenas eram sedentárias. A maioria eram itinerantes e se movimentavam pelas várias localidades da Província.
Zacarias entendia que era função do governo imperial resolver esta situação. Mas era preciso contar com a evangelização, sem a qual, diz, não seria possível abrandá-los e fazê-los abraçar a vida social. Zacarias era critico dos métodos violentos das “bandeiras” paulistas, que segundo ele, só provocaram matanças. Entretanto, os evangelizadores europeus que vinham ao Paraná não falavam a língua dos indígenas, o que prejudicava muito o processo de aculturação. Elogiava os Jesuítas que logo aprenderam o Guarani. Diz que este exemplo deveria ser seguido pela Igreja.

AGRICULTURA, FÁBRICAS, COMÉRCIO E NAVEGAÇÃO NA PROVINCIA DO PARANÁ (p.67-79)
Zacarias elogia as terras e o clima do Paraná. Relata que quase tudo que era plantado, frutificava. Lamenta que tenha diminuído o cultivo do trigo, por causa da praga “ferrugem”. Argumentou que na Europa os agricultores não desistem, assim, tão facilmente, do trigo. A situação da economia agrícola paranaense pode ser resumida por essas passagens:

“Bem diversas são as circunstâncias do mate: os ervais silvestres aí estão por toda a parte sem custarem aos habitantes o mínimo trabalho, colhem-lhes as folhas, secam-nas ao fogo, no carijó, e quebrada, miudamente, está pronta a erva, e vão vendê-la às fábricas, que as beneficiam para exportar. (...) É rara aqui a família que não consuma chá da própria lavra e o café dá-se admiravelmente em algumas situações. (...) Presentemente, força é reconhecê-lo, a congonha e a criação absorvem a atenção e a atividade da grande maioria dos habitantes da província, aquela de ricos e de pobres, esta dos homens abastados, que possuem campos. (...) O mate, pois que é uma produção espontânea dos imensos ervais silvestres, que cobrem uma dilatada extensão de território, está, como eu já disse, ao alcance da maior parte de sua população (...). A exportação que desse artigo se faz, avalia a câmara municipal desta cidade em 800 contos, pouco mais ou menos. (...) Essa exportação evidentemente demonstra que o mate é hoje o ramo preponderante na indústria da província.
O mate do Paraná, conhecido pelo nome de “Erva de Paranaguá” pelo porto, donde o despacham, é exportado em maior escala para Buenos Aires e Montevidéo, bastante para o Chile e muito pouco para o Rio de Janeiro e Santa Catarina (...)."


No relatório de Zacarias vão muitas advertências quanto às poucas chances de expansão do mercado da “congonha” (o mate) paranaense. Isso porque a concorrência do mate argentino e paraguaio começava a diminuir os rendimentos do exportadores do Paraná e também porque havia no Paraná um número excessivo de pessoas vinculadas ao mate. Além disso, estava se disseminando no Paraná “a fraude do mate”, isto é, muitos estabelecimentos daqui adicionavam folhas estranhas às do mate, e essa prática ia sendo descoberta e criticada no exterior, aviltando assim a marca da origem paranaense. Tão grave era o problema que foram criadas inspetorias especializadas para fiscalizar a “fraude da erva”.
A outra atividade econômica mais difundida era a criação de gado. Entretanto, Zacarias critica a atitude dos criadores paranaenses, que não se preocupavam em fazer cruzamentos que pudessem melhorar as raças bovinas. Nem com os cavalos faziam isso, apesar de as “corridas” de cavalo serem tão prestigiadas. Mas não havia hipódromos. As corridas, por aqui, segundo seu relato, não passavam de “uma ocasião de apostas, de rixas, e malquerenças entre o povo, e nada mais”. Zacarias lamenta profundamente que as corridas se reduzissem a isso. O gosto local pela equitação não provocava a sensibilidade dos criadores para a necessidade, e até, vantagem econômica de produzir cavalos mais fortes e ágeis, o que, a seu ver era um desperdício.
As fábricas padeciam de atraso tecnológico. As existentes eram engenhos de socar erva (pouco mais de 90); de serrar madeira, de descascar arroz (poucos), de fazer açúcar e aguardente.
O comércio de madeira, diz, deveria crescer muito nos anos seguintes, dada a existência de “matas sem fim de pinheiros, (cuja abundância, em língua indígena, dá lugar ao nome – Curityba).
Quanto ao gado, cavalos e muares vindos do sul, Zacarias informa que “avaliando pelos direitos de passagem, no Rio Negro, de animais vindos do sul, (...) fácil é reconhecer que mais de 40.000 animais entram cada ano em território desta província, donde quase todo, depois, vai ser vendido na grande feira de Sorocaba (...)”.
Quanto ao transporte fluvial, Zacarias faz vários relatos sobre particularidades dos rios navegáveis, das dificuldades inerentes e também da necessidade de se conhecer melhor a navegabilidade de alguns rios, como o próprio rio Yguassu. Aliás, neste relatório ele menciona o interesse do Dr. Faivre em descer o rio e estudá-lo, desde que recebesse ajuda financeira do governo. Sobre este rio, vale transcrever a descrição de Foz do Iguaçu --- então chamada de “Salto Grande” --- feita por Zacarias:

"Se esse salto do Yguassú é um grande estorvo à sua navegação, uma circunstância (...) vem a ser que a navegação (...) é restrita somente ao interior, porquanto, como melhor do que eu sabeis, o Yvahy e o Paranapanema deságuam no alto Paraná, isto é, acima do “Salto Grande”, insuperável obstáculo à navegação que o autor da história argentina chama “ a mais maravilhosa obra da natureza pela fúria e velocidade, com que cai todo o curso das águas, precipitando-se em uma penha como caixa guarnecida de duras rochas, em que todo o rio tendo, no alto do salto mais de 2 léguas de largura, se estreita a tiro de flecha, e dai se reparte em onze canais, de sorte que não há olhos nem cabeça humana que possam contemplar sem experimentar vertigem e perder a vista, ouvindo-se o rumor de 8 léguas de distância, e vendo-se o vapor, que se levanta, de mais de 6 como uma nuvem branquíssima”.

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