STF - Medidas Provisórias não foram criadas para facilitar o cesarismo político: mais um round da complicada convivência entre Executivo e Legislativo


Até recentemente, a interpretação dominante era a seguinte: se o Congresso nacional não apreciasse e deliberasse uma medida provisória publicada há 45 dias, então ela entrava em regime de urgência e trancava toda a pauta de votações do Congresso.

Contra esse entendimento, o Presidente da Câmara dos Deputados, Dep. Michel Temer anunciou, em 17 de março de 2009, sua interpretação do § 6º, do Art. 62 da CRFB, onde se lê que se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.

A interpretação de Temer foi oficializada numa resposta a uma questão de ordem elaborada pelo deputado Regis de Oliveira (PSC-SP). Oliveira perguntou se a Câmara poderia votar projetos de resolução, mesmo com a pauta trancada, uma vez que as MPs não podem tratar dos assuntos desses projetos. O presidente da Câmara argumentou que uma "interpretação sistêmica" da Constituição é possível para mudar o entendimento sobre as MPs. A Carta determina, no artigo 62, que "todas" as deliberações legislativas devem ser adiadas para a análise de MPs com prazo de tramitação vencido. Temer, porém, argumenta que assuntos sobre os quais as MPs não podem ser editadas não estão incluídos nessa regra.

Os líderes do PPS, Fernando Coruja (SC), do DEM, Ronaldo Caiado (GO), e do PSDB, José Aníbal (SP), entraram, em 18.03.09, no Supremo Tribunal Federal (STF) com um mandado de segurança preventivo com pedido liminar contra o que eles classificaram de "engenharia política" do presidente da Câmara.

A decisão liminar proferida pelo Min. Celso de Mello, no MS 27.931-1, de 27.03.09, confirmou a interpretação Presidente da Câmara dos Deputados.


Daqui por diante, salvo se o Plenário do Supremo entender diferentemente, as medidas provisórias só trancam a pauta das sessões ordinárias em que se delibera sobre temas que podem ser veiculados por medidas provisórias. As medidas provisórias não podem trancar a pauta de votações dos projetos de Resoluções, Decretos Legislativos, Leis Complementares, Emendas Constitucionais e das leis ordinárias que veiculam matéria vedada, pela própria Constituição, a medida provisória .

A seguir, elaborei um extrato da decisão do Min. Celso de Mello, MS 27.931-1, de 27.03.09, para que se compreendam quais são as razões que justificam esse novo entendimento.

A interpretação que se dá a essa expressão ‘todas as deliberações legislativas’ são todas as deliberações legislativas ordinárias. Apenas as leis ordinárias é que não (sic) podem trancar a pauta. E ademais disso, mesmo no tocante às leis ordinárias, algumas delas estão excepcionadas. O art. 62, no inciso I, ao tratar das leis ordinárias que não podem ser objeto de medida provisória, estabelece as leis ordinárias sobre nacionalidade, cidadania e outros tantos temas que estão elencados no art. 62, inciso I. Então, nestas matérias também, digo eu, não há trancamento da pauta.

Esta interpretação, como V. Exas. percebem, é uma interpretação do sistema constitucional. O sistema constitucional nos indica isso, sob pena de termos que dizer o seguinte: (...) a Constituinte de 1988 não produziu o Estado Democrático de Direito; a Constituinte de 1988 não produziu a igualdade entre os órgãos do Poder. A Constituinte de 1988 produziu um sistema de separação de Poderes, em que o Poder Executivo é mais relevante, é maior, politicamente, do que o Legislativo, tanto é maior que basta um gesto excepcional de natureza legislativa para paralisar as atividades do Poder Legislativo. Poderíamos até exagerar e dizer: na verdade o que se quis foi apenar o Poder Legislativo. Ou seja, se o Legislativo não examinou essa medida provisória, que nasceu do sacrossanto Poder Executivo, o Legislativo paralisa as suas atividades e passa naturalmente a ser chicoteado pela opinião pública. Por isso que, ao dar esta interpretação, o que quero significar é que as medidas provisórias evidentemente continuarão na pauta das sessões ordinárias, e continuarão trancando a pauta das sessões ordinárias, não trancarão a pauta das sessões extraordinárias (...).” (grifei)

Vê-se, portanto, que a existência de controvérsia jurídica impregnada de relevo constitucional legitima o exercício, por esta Suprema Corte, de sua atividade de controle, que se revela ínsita ao âmbito de competência que a própria Carta Política lhe outorgou. Isso significa reconhecer, considerados os fundamentos que dão suporte a esta impetração, que a prática do “judicial review” - ao contrário do que muitos erroneamente supõem e afirmam – não pode ser considerada um gesto de indevida interferência jurisdicional na esfera orgânica do Poder Legislativo.
É que a jurisdição constitucional qualifica-se como importante fator de contenção de eventuais excessos, abusos ou omissões alegadamente transgressores do texto da Constituição da República, não importando a condição institucional que ostente o órgão estatal – por mais elevada que seja sua posição na estrutura institucional do Estado - de que emanem tais condutas.

As razões expostas pelo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados põem em evidência um fato que não podemos ignorar: o de que a crescente apropriação institucional do poder de legislar, por parte dos sucessivos Presidentes da República, tem causado profundas distorções que se projetam no plano das relações políticas entre os Poderes Executivo e Legislativo. Parece-me, ao menos em juízo de estrita delibação, considerada a ratio subjacente à decisão ora impugnada, que a solução interpretativa dada pelo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados encerraria uma resposta jurídica qualitativamente superior àquela que busca sustentar – e, mais grave, preservar – virtual interdição das funções legislativas do Congresso Nacional. Se é certo, de um lado, que o diálogo institucional entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo há de ser desenvolvido com observância dos marcos regulatórios que a própria Constituição da República define, não é menos exato, de outro, que a Lei Fundamental há de ser interpretada de modo compatível com o postulado da separação de poderes, em ordem a evitar exegeses que estabeleçam a preponderância institucional de um dos Poderes do Estado sobre os demais, notadamente se, de tal interpretação, puder resultar o comprometimento (ou, até mesmo, a esterilização) do normal exercício, pelos órgãos da soberania nacional, das funções típicas que lhes foram outorgadas.

A construção jurídica formulada pelo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, além de propiciar o regular desenvolvimento dos trabalhos legislativos no Congresso Nacional, parece demonstrar reverência ao texto constitucional, pois - reconhecendo a subsistência do bloqueio da pauta daquela Casa legislativa quanto às proposições normativas que veiculem matéria passível de regulação por medidas provisórias (não compreendidas, unicamente, aquelas abrangidas pela cláusula de pré-exclusão inscrita no art. 62, § 1º, da Constituição, na redação dada pela EC nº 32/2001) – preserva,íntegro, o poder ordinário de legislar atribuído ao Parlamento.

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