Discurso de posse do governador Roberto Requião, 01.01.07



Parte II - Ao meu ver, esta é a segunda parte do discurso. A partir daqui o governador se concentrou nos seguintes temas: Qual o nosso lado? Somos um governo de esquerda. Essa conversa de populismo.

Obs. Os destaques a seguir são meus.

"E qual o nosso lado? O lado dos mais pobres, dos trabalhadores, dos pequenos, dos agricultores familiares, do fortalecimento das políticas públicas de saúde, educação e segurança, da recuperação das estradas, da construção de escolas e hospitais, da criação de empregos, da isenção de impostos, do microcrédito, do fundo de aval, do programa do leite, da tarifa social da água, da luz fraterna, da recuperação do Estado, da transparência, da austeridade. O lado do povo.
Há quem se constranja, fique encabulado ou até mesmo sinta urticária quando se fala em povo. Os dominantes, essa gente do mercado, os do lado de lá, os que sempiternamente viveram do sangue, do suor, da miséria, da exploração do povo. Os que excluem, esmagam, discriminam, ofendem e humilham o povo. Os que enganam e manipulam o povo.
Essa gente torce o nariz quando algum governo declara sua opção, seu amor, sua solidariedade para com o povo. É impressionante como os valores do mercado, sua boca torta de fumar o cachimbo da dominação transmite-se e são assimilados até mesmo por aqueles que estão entre nós.
E lá vem essa conversa toda de populismo, do horror a um Hugo Chavez, a um Evo Morales, a um Rafael Correa, a qualquer um enfim, que se oponha ao consenso de Washington, aos ditames do FMI, às receitas do neoliberalismo, à ação sem freio do mercado.
O nosso lado é o lado do povo.
E como então aceitar a conciliação que alguns companheiros urdem?
É interessante. Quando chega a vez, quando temos possibilidades concretas, reais de fazer alguma coisa por aqueles que mais precisam, por aqueles que a vida toda restaram à margem, insistem que sejamos equânimes, que pesemos os dois lados, que olhemos à esquerda e à direita, que não nos afastemos dos grandes, dos poderosos, dos manda-chuvas.

Companheiros de Governo, paranaenses.

Nesses quatro anos que passaram acredito que tenha ficado claro a todos para quem governamos. Ou não salta aos olhos a nossa opção? Será que há alguma dúvida?
Pois bem, nos próximos quatro anos vamos radicalizar essa opção. Vamos ainda mais a fundo na tarefa de governar para o povo. E não é um governo de centro-esquerda, não. Não venham com esses centrismos, com esse equilibrismo. Somos sim um governo de esquerda. E que a má interpretação ou a distorção daquilo que disse o Presidente Lula não sirva de pretexto para que alguns neguem o lado em que nos posicionamos.
Somos de esquerda, porque ser de esquerda é ser solidário, fraterno, humano. É ser gente. É ter os olhos, a alma e o coração voltados para as desigualdades e as misérias deste mundo.
O fosso entre os que têm e o que não têm alargou-se de tal forma nos últimos anos, nesses malditos anos de expansão do neoliberalismo, que não seria catastrófico antecipar a possibilidade do colapso da civilização. Tenhamos olhos para ver. E vejam. Hoje a metade da população mundial, calculada em 6 bilhões e 800 milhões de almas, tem um patrimônio de tão somente 4.500 reais. A tragédia brasileira da desigualdade, da exclusão, da concentração de rendas segue o ritmo mundial. Por mais escandaloso e surpreendente que pareça quem ganha mais que 800 reais por mês em nosso país está entre aquela parcela de cinco por cento de brasileiros mais ricos.
Escandalizem-se. Mas reajam, mas façam alguma coisa, mas desendureçam o coração e arejem o cérebro. Alinhem-se à esquerda, formem entre aqueles que ainda não perderam a capacidade de indignar-se e lutar. Perfilem entre os que não perverteram as características básicas de seres humanos, que não se transformaram em homens lobo dos homens.
Enfim, recuperemos as nossas condições de seres humanos. Segundo Aristóteles, “animais políticos”; isto é gregários, solidários, civilizados, já que civilização pressupõe solidariedade, irmandade. É isso que nos distingue da barbárie, da irracionalidade.
E o que é a globalização, a sanha do mercado por lucro, a dominação impiedosa dos países e povos periféricos? O que é a transformação do individualismo, da competição, da esperteza, da ascensão a qualquer preço a valores máximos dos nossos tempos? O que é tudo isso que não a volta à selvageria, ao embrutecimento, à incultura, à grosseria, à rudeza, à brutalidade, à desumanidade das hordas pré-civilização?
Já próximo da morte, nas reflexões finais sobre a sua trajetória política, François Mitterrand disse que a direita julga que o poder é dela, por delegação natural, como se fosse a reprodução do direito divino dos reis. Assim, para a direita, a eventual ascensão da esquerda é usurpação, é antinatural.
Isso é de tal forma difundido, está de tal forma entranhado em nossa cultura, que muitos, à esquerda ou ditos de esquerda, ou do centro, parecem constrangidos quando ganham uma eleição. Quase que pedem desculpas à direita por chegar ao governo, por ocupar um espaço naturalmente dela, naturalmente dos senhores, naturalmente dos dominantes.
Talvez seja por isso que, segundo dizem, nada mais parecido com o conservador que a esquerda quando chega ao governo. Ou como se dizia no Império: “Nada mais parecido com um luzia do que um saquarema no Gabinete”.

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